Amamentação: um recurso valioso facilmente desvalorizado…

Amamentação: um recurso valioso facilmente desvalorizado…

Sou uma grande defensora do aleitamento materno assim como do colo, do co-sleeping, e de tudo aquilo que é natural para o bebé. 

Em 2016 decidi abrir os meus horizontes além das paredes do hospital e dedicar-me ao acompanhamento parental, trabalhando portanto na comunidade e estando ainda mais próxima das famílias. 

Desde então tenho vindo a perceber a que ponto a maioria dos profissionais de saúde (e as pessoas em geral) desvalorizam e relativizam o aleitamento materno.

Não sou fundamentalista nem defendo a amamentação a todo o custo. Mas a verdade é que num bebé amamentado, as situações que exigem a introdução de um leite artificial são a excepção e no entanto são tratadas como se fossem a regra. 

O facto de trabalhar simultaneamente na comunidade e no hospital ainda me confronta mais a esta realidade.

No ano passado, num dos meus turnos trabalhei com uma família cujo bebé de 2 meses sofria de regluxo gastro-esofágico. Apresentava sintomas importantes que interferem na sua qualidade de vida (estridor respiratorio e dificuldades alimentares com consequente perda de peso).

O que acho impressionante é o facto de como estas situações (de bebés com refluxo com mais ou menos impacto no seu quotidiano) começam por ser tratadas todas da mesma forma: suspender o aleitamento materno (total ou parcialmente) e passar para uma fórmula infantil de leite espessado. Por norma como isto não resolve a situação, e os sintomas ou persistem ou se agravam, e muitas vezes acaba por se avançar para outras investigações e até para leites extensamente hidrolisados para despiste de alergia à proteína do leite de vaca. 

Eu própria passei por isso com a minha filha. Durante 4 meses batalhei para prosseguir com o aleitamento materno quando todas as soluções que a pediatra me apresentava passavam por suspender a amamentação. Acabei por ceder e acabámos a dar o tal leite extensamente hidrolizado. Nada disto resolveu o problema.

O que eu daria para saber naquela altura tudo o que sei hoje. A nossa história teria com certeza sido muito diferente. 

Mas não pretendo aqui falar do nosso caso, muito menos do caso deste bebé que acompanhei. 

O que pretendo com este artigo é questionar. Incentivar os profissionais de saúde a pensarem sobre isto: valerá mesmo a pena ter como intervenção de primeira linha privar o bebé do melhor alimento que pode receber? 

O aleitamento materno é o melhor para o bebé. Para todos os bebés de todo o mundo e não apenas para os bebés dos países em vias de desenvolvimento. E não sou eu quem o diz. É a Organização Mundial de Saúde, a UNICEF, as sociedades de pediatria. 

Além disso, não podemos negar as nossas origens. Os mamíferos são animais que são amamentados pelas suas progenitoras (salvo raras excepções). O leite materno é produzido exactamente para aquele bebé. Como pode isso não ser melhor que um leite fabricado em laboratório através de um leite produzido por outra espécie? 

Os grandes prematuros por exemplo, só são alimentados com leite artificial em último recurso, se a mãe não conseguir extrair e se não houver banco de leite à disposição. Isto porque sabemos hoje que se não forem alimentados com leite materno, são muito mais suscetíveis de desenvolver problemas graves como por exemplo enterocolite necrosante, problemas no desenvolvimento cerebral, entre outras coisas. Isso devia explicar muita coisa.

Se aos nossos prematuros fazemos de tudo para que possam receber leite materno então porquê que num bebé de termo se vê o mesmo leite como “prejudicial” ou “insuficiente”? 

Não pretendo iniciar nenhum movimento anti-leite artificial, muito menos julgar as famílias que tomam a decisão de não amamentar os seus bebés. Mas uma coisa são as decisões da família e outra é o mau aconselhamento e o mau acompanhamento. 

Com este artigo pretendo mesmo, apenas e só, trazer este assunto à tona de modo a que se possa reflectir sobre isto e questionar práticas. 

É muito fácil “culpar” o leite materno por tudo o que se passa com o bebé: chora muito, o leite não alimenta; não ganha peso suficiente, o leite é fraco; tem refluxo, vamos dar um leite AR. 

O que é importante referir é que se o bebé chora, muitas vezes tem fome de contacto, se não ganha peso é importante a intervenção de um profissional que perceba efectivamente de amamentação e possa avaliar se o bebé é ou não eficaz nas suas refeições e ajudar a melhorar a situação, e no caso do refluxo é importante saber que o leite materno é o único leite que diminui a acidez do conteúdo gástrico após as refeições, por isso a introdução de um leite artificial pode piorar os sintomas. 

Caros famíliares, amigos, colegas, amas, educadoras, e em especial enfermeiros e outros profissionais de saúde, por favor, a próxima vez que pensarem em recomendar leite artificial a um bebé, questionem a vossa prática porque não há mal nenhum nisso, pelo contrário isso faz-nos evoluir como pessoas, como profissionais, como sociedade! 

A próxima vez que pensarem recomendar um leite artificial a um bebé, questionem se não havera uma intervenção de primeira linha que possa efectivamente ajudar e que tenha um menor impacto negativo na vida daquele bebé e daquela mãe, do que tirar valor a um alimento que foi feito à sua medida. 

Já dizia Albert Einstein: “O importante é não parar de questionar”.