O que é ficar “mal habituado”?

O que é ficar “mal habituado”?

Enquanto mãe, amiga ou tia, dar a minha opinião é algo normal a partir do momento em que seja pedida.

Já enquanto profissional tenho o dever de estar ainda mais consciente do peso das minhas palavras.

A nossa sociedade tem claramente um problema com o deixar o outro “mal habituado”, e é preciso falar sobre isso!

Tenho ouvido alguns relatos de parteiras que em visita domiciliária (muito comum fora de Portugal) dizem ao pai que durante a sua licença de paternidade não pode dedicar-se muito ao bebé porque irá deixar a mãe mal habituada, que a mãe tem de se saber desenrascar porque depois vai ficar sozinha. Logo aqui fica claro o caminho longo que ainda temos para percorrer.

Na verdade, para muitas pessoas e demasiados profissionais, responder às necessidades do outro, dar amor, mostrar que nos preocupamos e apoiar, é habituar mal.

O pai não pode ajudar a mãe com o bebé, porque a mãe vai ficar mal habituada.

Não podemos dar colo ao bebé porque vai ficar mal habituado.

Não podemos deixar o bebé mamar quando quer, adormecer na mama ou ao colo, porque vai ficar mal habituado.

Mas, afinal, o que é ficar “mal habituado”? Gostaria que pudéssemos desconstruir este conceito juntos.

No caso das mães, será efectivamente sentir a falta do pai? Da ajuda e apoio essencial que este lhe dá (ou deveria) quando está em casa? Ou sentir uma pressão imensa para conseguir dar conta de tudo (e não conseguir na maioria das vezes)?

É triste que na cumplicidade de um casal se veja um mau hábito.

Lutamos tanto pelos direitos do pai, pedimos maior valorização do papel do pai, mais respeito pelo pai nas unidades de saúde, uma licença de paternidade decente.

Tudo isto não é para que o pai se torne uma fada do lar e faça tudo em casa excepto ocupar-se do seu bebé para não habituar mal a mãe.

Tudo isto é para que o pai possa efectivamente investir na sua relação com o seu bebé desde o início. Que possa apoiar a mãe com o possível, mostrar a sua dedicação e o seu amor.

Investir na tríade mãe-pai-bebé não habitua ninguém mal! Este investimento fortalece relações!

Já no caso do bebé, mal habituado parece ser dependente da mãe. Mas será que isso é mesmo mau?!

Ser dependente da mãe no início de vida não só é normal como mostra um desenvolvimento emocional saudável!

É isso que é esperado nesta fase. Relembro que nos primeiros 9 meses de vida (mais ou menos) para o bebé ele e a mãe são uma só pessoa! Como não chorar se alguém me levar uma parte de mim que tanta falta me faz?!

Ser dependente da mãe não significa que o bebé seja infeliz na sua ausência. Os bebés têm uma capacidade de adaptação fenomenal!

Se com a mãe o bebé só adormece no colo ou na mama, então dêem colo e mama! Não há motivo para fazer disso um drama, pois na maioria das vezes o padrão na creche ou na ama é muito diferente!

Que a mãe, a sogra, a vizinha, a senhora da padaria ou até a amiga dê palpites não pedidos e principalmente infundados, não me choca.

O que me deixa com vergonha alheia, é que este tipo de discurso venha de profissionais. Os mesmos profissionais que deveriam ser um recurso sério e um pilar fundamental para as famílias nesta fase.

Por isso, pais e mães, não tenham medo de se mimarem, de cuidarem um do outro, de darem muito colo, mama, mimo ao bebé. Se ser amado é ser mal habituado, então caramba, quero ver muitas pessoas mal habituadas à minha volta!